Caratinga,praça das palmeiras,sentado,vendo pessoas irem e
virem,a maioria conhecidas,que o cumprimentam e na correria da vida vão ,uns
para o trabalho,outros escola e uma boa parte em busca do nada.
Pensando , parece longe,sua vida na estrada,depois o decidir
ficar mais quieto,mais em casa.
Saudades?
Interrogação que complica,pois muita coisa que viveu,teria
feito diferente.
1978:ano em que a conheceu.Lutou muito com seu
sentimento,pois percebera desde o início que ela era diferente,decidida e que sabia
o queria,mas ele era mais velho seis anos ,não tinha grandes pretensões,não
sonhava alto,teve medo e não a quis.
Naquela noite chorou.
Aqueles olhos lindos que o acariciavam,aquele jeito moleque
de menina que desabrochava,o medo,esse maldito que o consumia.
Dormiu pouco,um sonho estranho,algo que despedaçava,sabia
que ainda dava tempo,mas novamente o receio,ela era muito para ele,não sonhavam
o mesmo sonho.
Viajou naquele dia
com a tristeza como companhia.Calado.sisudo e fumando um cigarro atrás
do outro,naquela época podia fumar dentro do ônibus,em cada fumaça que
subia,uma raiva crescente,um desaforo e desafio a vida fazia com ele.Já estava com vinte e um
anos,desde novo no trabalho para ajudar sua mãe viúva,o filho mais velho,deixou
os estudos para ganhar a vida e agora que tudo parecia normal,aparece essa
maluca que escreve poemas,que diz para que ele pare de fumar,que lhe empresta
livros,que o incentiva a não desistir de sonhar.
Louco,parece que tudo e todos estão contra ele,não tem com
quem conversar,pois tem muitos conhecidos e poucos amigos,Belo Horizonte que
não chega.Cansado,arrependido,orgulhoso para voltar atrás.
A catedral é linda,imponente,mas se sente indigno de adentrar por suas
portas,pois parece que o Deus que habita essa construção não é o mesmo que ele
acredita.
"Por onde ela anda? O que estaria fazendo agora?Será
que depois de tantos anos ainda se lembra de mim?"
A última vez que a viu,deve ter uns quatro anos,ela estava
linda,como sempre foi,não,mais ainda,o ato de envelhecer nos atingiu,todos de
minha geração estão velhos,mas ela não,quanto mais o tempo passa,mais
linda,mais segura de si.
"Sei que casou.Doeu saber.
Alguém me disse que ela ainda tinha esperanças a meu
respeito,dispensou vários rapazes,até que soube que eu havia ido morar com uma
mulher e que eu adotei os três filhos dela,disso eu não arrependendo,mas
amor?Só por ela,e eu deixei esse sentimento ir embora,através de um não,de um
olhar perdido e sofrido que eu percebi muito tempo depois."
Belo Horizonte,Avenida Antônio Carlos,chegando,rodoviária,maldita
cidade,sempre me fazendo lembrar dela.Descansar e voltar.E assim seguia a
rotina.
Dois anos e a promessa de largar o emprego ,de fazer a
última viagem ia sendo adiada,mas naquele dia seus pensamentos começaram
novamente a dilacerar todo o seu ser,a maldita saudade invadindo ,tomando
conta, doendo.
Mais uma fumaça e mais um pensamento nela.Alguém falou do
jogo,até isso."Meu Deus o time que ela tanto gosta é o meu,pelo menos há
algo em comum,mas seu jeito tão diferente de mim é que me incomoda e me fascina."
Dois anos sem vê-la
,mas o seu jeito de sorrir,achando graça
de tudo,cumprimentando a todos,esse jeito não tem como esquecer.
Na viagem de volta uma surpresa: ela,linda,seria
miragem,devaneio?Não, é ela ,a dona dos meus pensamentos confusos,parece
surpresa,me cumprimenta e entra.
O que fazer?
Sensação estranha,tão próxima,tão distante,confusão,cabeça
rodando.Não sabe que atitude tomar.Monlevade,parada do ônibus ,ela desce,vai ao
banheiro e volta rápido,compra um refrigerante e lentamente volta,parece
decepcionada,não entende o desprezo que parece sofrer;talvez não,ela entra
novamente no ônibus e retoma sua leitura.
Agonia,viagem que não acaba,saudade dela,medo e,ela
ali."O que fazer?"
Em Timóteo,nova parada.Dessa vez ela não desce,está
só."É agora.Preciso ir até ela,olhar naqueles olhos que brilham e
acariciam,perceber a beleza dela,dizer a ela da falta que sinto,pedir
desculpas,inventar desculpas, recomeçar tudo."
"Chego,sem graça, ela conversa comigo como se o adeus
nunca tivesse acontecido,sorri,disse sentir saudade,que o tempo estava passando
,e que no final do ano ela se formaria,convidou-me para o baile e foi falando de seus planos para a
faculdade,dos livros que estava lendo e
de repente abre a bolsa e tira um poema
e me entrega,pede que eu leia depois,diz que escreveu para mim.
Rapidamente penso naquele dia,ou
melhor naquela viagem,a última, e ainda a presença dela."
Em casa, trêmulo pega o poema:
Encontro
Te vi,num momento
te acariciei com os olhos
fez nascer um sentimento
Te olhei e percebi
a grandeza de tua presença
e foi aí que vivi
Num querer tamanho e profundo
a primeira vez te beijei
me senti forte e dona do mundo
foi por que te
encontrei
Te encontrei e te quis
sem preconceitos e sem dor
vence e é feliz
quem luta por amor
E nos encontros da vida
vivo a te buscar
não tens a flor perdida
por que morreu sem
saber amar
te busco a instante perdido
mantido além vida
que perdeu o tempo sofrido
na esperança perdida
Te vi e cada encontro
te vejo e a cada momento
te busco e me
confronto
com o meu sofrimento
que se dá a cada encontro
Leu,releu,sonhou,acordou e não conseguiu dormir.
Concluiu que precisava dela,mas que a fazia sofrer,pois não
decidia,a ignorava e a queria.
Onde ela está nesse momento?
Sozinho,em frente ao cartão postal de Caratinga,olhar triste
e cansado.
Cabelos brancos.Envelhecendo rápido,saudades daquilo que
deixou de viver,do tempo em que com uma palavra,uma atitude poderia tê-la como
namorada."Sim.Ela queria andar de mãos dadas, ir à igreja comigo,ser feliz
com seu jeito,que hoje percebo ser simples de ser."
O poema,foi
transcrito e o papel guardado,dentro da bíblia,pois sabia que ninguém
encontraria."
Novo emprego,motorista de funerária.Convivendo com a dor o
tempo todo.Cada um com seu sofrimento,acostumara com a dor.
Um dia a encontrou em um funeral.Estava quase na hora do enterro,era seu professor de Educação
Física,assassinado,sem motivo,uma louca fez intriga com o amante.Todos
indignados.
"Ela chegou até
mim,não sorriu,estava triste,pois aquele professor era especial e sua morte
estúpida.Convidei que fosse comigo no carro da funerária e ela
aceitou.Contou-me que havia terminado a Faculdade e que estava trabalhando,que
iria fazer uma pós-graduação e quando chegamos ao cemitério,ela desapareceu
,depois a vi com suas colegas."
O enterro foi de manhã e para ele o dia estava demorando a
passar,queria chegar em casa,ler o poema,pensar naquela maluca que estava
concretizando seus sonhos e sonhando cada vez mais. Não conseguiu ,outra família
precisava de seus serviços e naquela noite,chorou ,não pela família,mas por ele
mesmo,que sempre foi covarde,nunca persistiu,sempre fugiu,medroso e covarde.
As pessoas continuam indo e vindo, e ele ali,parece que
perdeu a noção do tempo,brinca com sua memória,seus filhos adotivos tomaram
rumo,estudaram,casaram,parece que são
felizes.
Quanto tempo que não tem sossego no espírito?Sua alma é
triste,seu sorriso é trêmulo.
"Preciso vê-la,sabe que ela é casada,mas sua ânsia em
vê-la é maior que as convenções,sua
angústia o faz sentir necessidade só de colocar seus olhos naqueles olhos que
sempre o acariciou,sem maldades,sem preocupação,simplesmente olhar para ela e
continuar se encantando com seus olhos.
Encontro seu nome no catálogo e ligo,o locutor da rádio
brinca comigo dizendo que estou tremendo
e que aquele não era um simples telefonema,quer saber para quem e eu por
respeito não digo,ela atende e diz poder me receber,pareceu-me bem
surpresa,pois eu usei do poema como
desculpa para procurá-la. O locutor fica atento,mas não consegue entender
nada,Continuo conversando com ele,pois eu agora agencio alguns cantores e tenho
umas músicas minhas que eles gravam,e meu
encontro com ela será daqui a uma hora,na casa dela.
Quando ela vem abrir
a porta,me recebe sorrindo,mas me pareceu com um pouco de medo.Perguntei sobre
sua vida,ela me disse estar casada,ter filhos e rapidamente desvia o assunto
perguntando sobre o que estou fazendo e eu digo,e aproveito para dizer a ela do
interesse em colocar música e saber se aquele poema era mesmo de autoria
dela,vamos conversando e ela me oferece café,não aceito e ela continuava
demonstrando muito medo e então percebi naqueles olhos a falta do brilho que me
atingia e acariciava minha alma.
Olhei e vi medo,tristeza,embora ela sorrisse.Para falar a
verdade vi mais tristeza do que medo,vi
um abismo,vi a falta que fiz na vida dela e isso doeu muito e ainda dói.
Dei uma desculpa e sai,ela foi até a porta e ainda
conversamos algumas banalidades.Mesmo vendo que havia algo errado,não perguntei
e ela não falou,continuou me revelando firmeza de caráter e
dignidade,mostrou-me que é possível viver
mesmo que as coisas não estejam indo bem
e ela mais uma vez não me cobrou
nada ,foi como se o adeus não tivesse sido dito,que tudo estava normal."
Naquele resto de dia ele voltou a sentir a mesma sensação
estranha,agora com mais intensidade,algo que incomoda,dói,faz sentir bem e mal
ao mesmo tempo,tristeza em perder,
alegria em revê-la,na verdade pouca alegria,pois aqueles
olhos perdera o brilho,ou quem sabe é só saudade.
"Saudade novamente invadindo,esta praça é linda,a
igreja maravilhosa.
Pensamentos desencontrados,passado e presente tudo
misturado,angústia,medo,vontade de voltar e refazer a sua vida,impossível.Essa certeza incomoda.
E ela?Há tanto tempo que não a vejo,última vez foi em sua
casa, depois em BH,nunca mais,já passei na porta de sua casa e nada,são vinte e
nove quilômetros de distância e parece
haver um continente entre nós.
Não sei mais de sua vida,e essa falta de ligação me
incomoda,mas meu caráter impede de procurá-la novamente,ela mesmo que ainda
guarde algo por mim,jamais me aceitará,sei de seu jeito firme e honesto de
ser,ela deve sofrer sozinha,calada,deve até pensar em mim,em um amor que por
covardia não aconteceu,mas nem disso ela sabe,recusei, se eu falar a ela que eu
tinha medo de enfrentar a vida como ela fazia,tinha receio de ter que vencer
como ela venceu e tinha medo de amar."
Um dia ele havia saído sem destino e resolveu ir a Belo
Horizonte,cidade que o incomodava,e
sozinho foi pensando em tudo que viveu,a perda da mãe,o
consolo de sua companheira,que era
boa,mas sem grandes pretensões,o sobrinho que nasceu. E nessas
reminiscências,novamente pensa que viveu
uma vida tranquila,mas não aquela que hoje ele gostaria de lembrar,é grato a
Deus pela saúde que teve.
Está na praça,o envelope na mão,daqui a pouco seu médico lhe
dará a sentença,está preparado para qualquer notícia,mas tudo seria mais fácil
se ela estivesse ali com ele,teria mais força,conseguiria fortaleza naquele
olhar que brilhava e o acariciava.
Nunca passaram de alguns beijos,nunca ousou com ela,sempre a
respeitou mesmo que todo seu corpo pedia mais.Sempre a idealizou,foi um idiota
romântico,mas sem confessar esse amor.
Sentia prazer em tê-la pura diante de si e ao mesmo tempo um
desejo que controlava com muita dificuldade.
Ela,talvez nem se lembre mais dele e em seu delírio ele
pensa nela.
Chegou a BH,tudo igual e diferente ao mesmo tempo,movimento
maior,não procurou nenhum colega de seu antigo emprego,talvez nem tenha ninguém
mais de sua época.
Foi a igreja São José,entrou,orou,pediu que Deus o ajudasse
a dar um rumo em sua vida,ninguém entendia tamanha mudança,isolou os poucos
amigos que tinha,calado em casa.
Não compunha nada,silêncio total,quebrado às vezes por uma
música italiana"Dio como ti amo",antiga,na voz de
Gigliola,linda.Música que ela sempre cantava um pedaço,bem baixinho e depois
ria dizendo que precisa aprender o resto.
Sai da igreja e mais uma volta pela cidade,desta vez parque
municipal,senta em um banco,compra um pipoca e ri de uma criança pegando
pirraça.
Nunca teve filhos,sua companheira já tinha os seus e não
queria mais,e por isso seu sonho de pai foi abortado.
Sai do parque,dá uma volta no centro,fica um tempo na praça
Sete,caminha em direção à rodoviária,e num passe de mágica,ele a vê ,já era
tardezinha e a reconhece em meio a uma multidão de professores em
greve,sorri,ela sempre em luta,mas não há como chegar até ela,o carro de som
impede ouvir seu grito que morre na garganta,muita gente,tenta chegar,não
consegue.A avenida Afonso Pena toda tomada de professores e ele ali como um
bobo sem saber se ia ou se ficava ali parado.
Toma a decisão e vai embora,ele não tem o direito de perturbá-la
depois de trinta e cinco anos.
Belo Horizonte fica para trás,foi sua despedida.
Chega a Caratinga decidido em levar sua vida como sempre
fez,voltar a roda de amigos.Tocar seu violão,escrever uma letra,compor uma
música,mesmo que ninguém a ouça.
Ela é passado,continuará sendo saudade,mas sua vida é
outra,decidiu e tem que ser feliz com
aqueles amigos e família que escolheu.
"É isso,Deus me abriu os olhos,tenho que viver e
intensamente,fui covarde mas passou,não há como começar novamente, então o
ideal é aproveitar e levar para frente,isso ela aprovaria tenho
certeza,depressão nada,vida sim e com alegria"
Ele por um certo tempo conseguiu ir voltando a sua vidinha
de sempre até que um dia acordou com uma dor estranha,foi ao médico e ele pediu
vários exames então começou novamente seu desatino,estava doente,justo agora em
que viver era gostoso,ele pensava.
E ali,na praça
esperando a hora de ir ao consultório,levar seus exames,lutar para viver se
preciso for,mas de cabeça erguida,pois sempre foi honesto,não teve
religião,porém tem fé em Deus,na vida e é grato por tudo que viveu,tem que sair
e ir em busca de uma nova luta,e a vida
é uma constante luta.
Pensa estar preparado para o diagnóstico,se der
certo,agradeceria a Deus,se desse errado a ele recorreria,Deus sempre esteve ao
seu lado.
Amará muito ainda,os netos de sua companheira,seus
sobrinhos,seus amigos.
Levanta e caminha rumo ao edifício Monte Azul.
Aguarda pouco tempo.É chamado e o médico analisa seus exames
e dá o diagnóstico:câncer de pulmão.Sente um tremor,encara o médico e diz que
fará o tratamento,sai,sem tristeza aparente,por dentro está triste,tem pouco
tempo ,sabe disso.
Ela nunca saberá,mas seu último pensamento é voltado para
ela, e lembra muito bem do que escreveu naquele dia em que ousou pela primeira vez e a procurou:
Tive medo de enfrentar o teu amor
só que o meu medo te causou tanta dor
que nem eu mesmo imaginava
Porém ao te reencontrar
minhas trêmulas mãos
emoção forte
e o medo ali.
Só então percebi
que fui um tolo
pois você está quase como deixei
digo quase
Na verdade está mais bonita,
está linda
o tempo te
enriqueceu
te trouxe um brilho diferente
que atrai
Suas palavras
hoje,encantadoras
quase como antes
digo quase
fascinam mais
Ah!como fui tolo
Meu amor só compreendi
depois que te perdi
mas fica o alento
você me chamou de amigo
e isso bateu tão forte em mim
(Abril de 2006)
Ela nunca saberá...
muito bom e encantador teu blog fiquei sem palavras ao ler todo ele.............
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