Lembranças ou fantasmas?
Depois de muito pensar,de perder noites de
sono,ela decide ir.
Sua filha,a melhor
amiga,insiste que vá,pois só assim a sombra poderá ser desfeita desse
passado que não consegue esquecer.
Foi duro a
partida,seu olhar se volta para o tempo passado e recorda,primeiro com
alegria,depois com angústia que dilacera
e chega a doer na alma,algo que nunca ficou resolvido e agora ela precisa dar
fim a isso.
Sua tristeza se
mistura a alegria de reviver,de poder medir seus sonhos,de mostrar a ela mesma
, que o sofrimento não foi em vão.
Saiu,em um ônibus
da Transcolin,em um dia chuvoso,com poucas roupas e sem saber bem o que fazer
na capital.
Viagem longa,em
cada curva um sonho que ficava para trás e uma incerteza pela frente.
Na verdade não se
despediu de ninguém,estava fugindo de um erro que não cometeu,mas como
explicar?Nada que dissesse ,o preconceito era muito e ela era uma mulher de
família.
Recorreu a uma
mulher que estendeu a mão e deu a ela um endereço na rua Guajajaras em Belo Horizonte e que alguém a
aguardaria ali.
De repente um medo
que assola,a vontade de retornar,contar tudo,mas o dinheiro não dava e além do
mais já deveriam ter dado pela falta dela.(e lido o que deixou).
O ônibus parou.
Ela não
desceu,tinha perdido a fome,estava com náuseas, estranhamente diferente,tudo
muito difícil,muito dolorido.
Agora faz o mesmo
trajeto,só que diferente,mais madura,com rugas,com o coração menos
apertado.Vai de avião até Ipatinga.
Pega um táxi e pede
ao motorista que a leve até a rodoviária.(Bem que poderia ir até a sua cidade
de táxi,hoje tem dinheiro,mas prefere ir de ônibus(Rio Doce),para melhor ir
apreciando o lugar,visualizar ,analisar o que mudou,refletir,e sem culpa
,rememorar tudo.
Depois de um certo
tempo o ônibus para e ela ali em sua cidade,sem saber para onde ir.
Tudo mudado.
As pessoas,nenhuma
ela conhecia,as casas reformadas,prédios erguidos e somente em sua imaginação
poderia estar ali junto com seus fantasmas.
Encontrou um hotel
no lugar da gameleira,entrou.Fez sua ficha,hospedou-se ali,banhou-se e saiu
para o encontro com sua cidade e consigo mesma.
Perto do hotel
percebeu lojas,farmácias,padaria,uma imensidão de pessoas e coisas que não havia
quando foi embora.
A igreja estava
ali,continua imponente,mas as construções parecem querer ofuscar seu brilho.
Caminha em
direção,sobe os degraus da escada,o jardim está diferente,a grutinha no mesmo
lugar,volta para trás e vê o viaduto.(parecem dois),não tem certeza.
Lembra se de quando
os carros passavam todos pela cidade,estavam construindo o viaduto.
Bem devagar vai
subindo as escadas,até que chega e começa a ver a diferença da igreja que
deixou com aquele que agora se encontra em sua frente.
Os degraus das
portas foram modificados,ao lado da igreja
há uma estação de rádio que ela não sabia da existência.
Entra na igreja e se
espanta.
Pinturas
maravilhosas,mas e a pia batismal?Já não se encontra mais ali.
Parece ouvir o
padre cantando"Com a igreja subiremos o altar do senhor".
Senta e relembra,as
primeiras sextas que levantava cedo para acompanhar sua mãe,os cânticos do
Apostolado da Oração.As roupas pretas das zeladoras,as fitas vermelhas,lembra
de dona Oracina,dona Filinha,dona Nilza..., e vai desfilando por sua memória
cada uma das mulheres que após a missa iam conversar com sua mãe.
Ajoelha e começa a
rezar,e entre a oração e a recordação,passa um bom tempo ali,em seu refúgio.
Saí dali um pouco
diferente,não sabe se melhor,mas diferente.
Olha a casa do
povo,reformada.
Resolve descer a
rua e nenhuma casa de seu tempo.
Tudo modificado,vai
descendo e lembrando das brincadeiras ,da vontade de morar ali,mas que fugia da
Minguante para ir até ali.no jardim da rua da Cadeia.
Cadê a cadeia?A casa
do Odilores?A pensão de dona Augusta?
Volta pela rua da
prefeitura, mas onde está?
A única coisa que
lembra é a escola que pouco mudou,aquela casa de seus sonhos já não é a mesma.
Na esquina um
banco?E o clube onde ia para dançar,conhecer pessoas?Ficou também sepultado ou
trocou de lugar? Nesse instante lembrou-se do vai e vem de rapazes e
moças,todos com olhares sonhadores e que também desfrutou disso.
Vai
caminhando,edifícios,poucas casas ,muitos prédios,vai passeando,olhando,tentando
reconhecer alguém em algum olhar,tentando fazer as pazes com o lugar onde
nasceu,desce a rua da ponte,nada do que lembrava,vai em direção à rua da
Minguante onde por muito tempo morou.Uma casa velha quase caída,o hotel,o posto
de gasolina era em outro lugar.Cadê a casa da dona Maria da loteria, o bar do
Zé Maria, a casa da dona Mariquinha virou igreja?
Eis que chega ao
jardim,a única casa que aparenta não ter sido modificada é do senhor Beco,e o
coreto?Nada?
A Farmácia da
esquina não é a mesma.
O ginásio virou
prefeitura?
A casa do doutor
Mário está linda,mas não é a mesma que ficava ao lado do banco.
Cadê a casa do
senhor Jorge?
A casa de pensão
está lá,mas fechada e sem a placa ANIRAM.
A barbearia do
senhor Laudemiro,a sapataria do senhor Zé Balbino,a mercearia do Joaquim
Arantes,A casa da Isa e do Vanderlei,o bar do Jair Maia.(Deu vontade de chupar
um picolé de amendoim).
Caminhando pela
minguante lembrou do Mazinho,do Valtinho Pirata,da dona Gertrudes,da padaria do
Manuel Medina,do quintal cheio de mangas
da dona Júlia.Da ponte de madeira que ligava ao sítio do Manuel Amaro.
Nada disso existe
mais.
Volta para o
hotel,passa por um lugar tomado de prédios,onde sempre havia um parquinho com
canoas para balançar.
Chega ao
hotel,descansa.Vai até a janela e vê novamente a igreja e percebe que não é a cidade que deixou , não deve despedida
nenhuma.
Desiste de ir mais
além.
Não quer olhar
nada,só sabe que nada deve,pois junto com seus fantasmas aquela cidade se foi.
Lembra da
serraria,da rua do viaduto,mas prefere nem olhar.
Está quite com seu
passado.
Liga para sua filha
e diz estar feliz,que encontrou velhos amigos
e que no outro dia andaria mais pela cidade.
Não levantou mais.
O dono do hotel chama a polícia,encontra seus documentos e
liga para sua filha,que muito emocionada diz que estava indo para aquela cidade
e que providenciassem tudo.
Foi velada em uma capela onde se encontravam alguns curiosos
e outras pessoas que por pena ficaram ali,seu corpo foi sepultado naquela
cidade,mas seu espírito buscava outros horizontes.
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