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domingo, 13 de outubro de 2013


Caratinga,praça das palmeiras,sentado,vendo pessoas irem e virem,a maioria conhecidas,que o cumprimentam e na correria da vida vão ,uns para o trabalho,outros escola e uma boa parte em busca do nada.
Pensando , parece longe,sua vida na estrada,depois o decidir ficar mais quieto,mais em casa.
Saudades?
Interrogação que complica,pois muita coisa que viveu,teria feito  diferente.
1978:ano em que a conheceu.Lutou muito com seu sentimento,pois percebera desde o início que ela era diferente,decidida e que sabia o queria,mas ele era mais velho seis anos ,não tinha grandes pretensões,não sonhava alto,teve medo e não a quis.
Naquela noite chorou.
Aqueles olhos lindos que o acariciavam,aquele jeito moleque de menina que desabrochava,o medo,esse maldito que o consumia.
Dormiu pouco,um sonho estranho,algo que despedaçava,sabia que ainda dava tempo,mas novamente o receio,ela era muito para ele,não sonhavam o mesmo sonho.
Viajou naquele dia  com a tristeza como companhia.Calado.sisudo e fumando um cigarro atrás do outro,naquela época podia fumar dentro do ônibus,em cada fumaça que subia,uma raiva crescente,um desaforo e desafio a  vida fazia com ele.Já estava com vinte e um anos,desde novo no trabalho para ajudar sua mãe viúva,o filho mais velho,deixou os estudos para ganhar a vida e agora que tudo parecia normal,aparece essa maluca que escreve poemas,que diz para que ele pare de fumar,que lhe empresta livros,que o incentiva a não desistir de sonhar.
Louco,parece que tudo e todos estão contra ele,não tem com quem conversar,pois tem muitos conhecidos e poucos amigos,Belo Horizonte que não chega.Cansado,arrependido,orgulhoso para voltar atrás.
A catedral é linda,imponente,mas se  sente indigno de adentrar por suas portas,pois parece que o Deus que habita essa construção não é o mesmo que ele acredita.
"Por onde ela anda? O que estaria fazendo agora?Será que depois de tantos anos ainda se lembra de mim?"
A última vez que a viu,deve ter uns quatro anos,ela estava linda,como sempre foi,não,mais ainda,o ato de envelhecer nos atingiu,todos de minha geração estão velhos,mas ela não,quanto mais o tempo passa,mais linda,mais segura de si.
"Sei que casou.Doeu saber.
Alguém me disse que ela ainda tinha esperanças a meu respeito,dispensou vários rapazes,até que soube que eu havia ido morar com uma mulher e que eu adotei os três filhos dela,disso eu não arrependendo,mas amor?Só por ela,e eu deixei esse sentimento ir embora,através de um não,de um olhar perdido e sofrido que eu percebi muito tempo depois."
Belo Horizonte,Avenida Antônio Carlos,chegando,rodoviária,maldita cidade,sempre me fazendo lembrar dela.Descansar e voltar.E assim seguia a rotina.
Dois anos e a promessa de largar o emprego ,de fazer a última viagem ia sendo adiada,mas naquele dia seus pensamentos começaram novamente a dilacerar todo o seu ser,a maldita saudade invadindo ,tomando conta, doendo.
Mais uma fumaça e mais um pensamento nela.Alguém falou do jogo,até isso."Meu Deus o time que ela tanto gosta é o meu,pelo menos há algo em comum,mas seu jeito tão diferente de mim  é que me incomoda e me fascina."
Dois anos  sem vê-la ,mas  o seu jeito de sorrir,achando graça de tudo,cumprimentando a todos,esse jeito não tem como esquecer.
Na viagem de volta uma surpresa: ela,linda,seria miragem,devaneio?Não, é ela ,a dona dos meus pensamentos confusos,parece surpresa,me cumprimenta e entra.
O que fazer?
Sensação estranha,tão próxima,tão distante,confusão,cabeça rodando.Não sabe que atitude tomar.Monlevade,parada do ônibus ,ela desce,vai ao banheiro e volta rápido,compra um refrigerante e lentamente volta,parece decepcionada,não entende o desprezo que parece sofrer;talvez não,ela entra novamente no ônibus e retoma sua leitura.
Agonia,viagem que não acaba,saudade dela,medo e,ela ali."O que fazer?"
Em Timóteo,nova parada.Dessa vez ela não desce,está só."É agora.Preciso ir até ela,olhar naqueles olhos que brilham e acariciam,perceber a beleza dela,dizer a ela da falta que sinto,pedir desculpas,inventar desculpas, recomeçar tudo."
"Chego,sem graça, ela conversa comigo como se o adeus nunca tivesse acontecido,sorri,disse sentir saudade,que o tempo estava passando ,e que no final do ano ela se formaria,convidou-me para o baile e  foi falando de seus planos para a faculdade,dos livros que estava lendo  e de repente abre a bolsa e tira um  poema e me entrega,pede que eu leia depois,diz que escreveu para mim.
Rapidamente penso naquele dia,ou melhor naquela viagem,a última, e ainda a presença dela."
Em casa, trêmulo pega o poema:
Encontro
Te vi,num momento
te acariciei com os olhos
fez nascer um sentimento

Te olhei e percebi
a grandeza de tua presença
e foi aí que vivi

Num querer tamanho e profundo
a primeira vez te beijei
me senti forte e dona do mundo
foi  por que te encontrei

Te encontrei e te quis
sem preconceitos e sem dor
vence e é feliz
quem luta por amor

E nos encontros da vida
vivo a te buscar
não tens a flor perdida
por que morreu sem  saber amar
te busco a instante perdido
mantido além vida
que perdeu o tempo sofrido
na esperança perdida

Te vi e cada encontro
te vejo e a cada momento
te busco  e me confronto
com o meu sofrimento
que se dá a cada encontro
Leu,releu,sonhou,acordou e não conseguiu dormir.
Concluiu que precisava dela,mas que a fazia sofrer,pois não decidia,a ignorava e a queria.
Onde ela está nesse momento?
Sozinho,em frente ao cartão postal de Caratinga,olhar triste e cansado.
Cabelos brancos.Envelhecendo rápido,saudades daquilo que deixou de viver,do tempo em que com uma palavra,uma atitude poderia tê-la como namorada."Sim.Ela queria andar de mãos dadas, ir à igreja comigo,ser feliz com seu jeito,que hoje percebo ser simples de ser."
O poema,foi  transcrito e o papel guardado,dentro da bíblia,pois sabia que ninguém encontraria."
Novo emprego,motorista de funerária.Convivendo com a dor o tempo todo.Cada um com seu sofrimento,acostumara com a dor.
Um dia a encontrou em um funeral.Estava quase na  hora do enterro,era seu professor de Educação Física,assassinado,sem motivo,uma louca fez intriga com o amante.Todos indignados.
"Ela chegou  até mim,não sorriu,estava triste,pois aquele professor era especial e sua morte estúpida.Convidei que fosse comigo no carro da funerária e ela aceitou.Contou-me que havia terminado a Faculdade e que estava trabalhando,que iria fazer uma pós-graduação e quando chegamos ao cemitério,ela desapareceu ,depois a vi com suas colegas."
O enterro foi de manhã e para ele o dia estava demorando a passar,queria chegar em casa,ler o poema,pensar naquela maluca que estava concretizando seus sonhos e sonhando cada vez mais. Não conseguiu ,outra família precisava de seus serviços e naquela noite,chorou ,não pela família,mas por ele mesmo,que sempre foi covarde,nunca persistiu,sempre fugiu,medroso e covarde.
As pessoas continuam indo e vindo, e ele ali,parece que perdeu a noção do tempo,brinca com sua memória,seus filhos adotivos tomaram rumo,estudaram,casaram,parece  que são felizes.
Quanto tempo que não tem sossego no espírito?Sua alma é triste,seu sorriso é trêmulo.
"Preciso vê-la,sabe que ela é casada,mas sua ânsia em vê-la  é maior que as convenções,sua angústia o faz sentir necessidade só de colocar seus olhos naqueles olhos que sempre o acariciou,sem maldades,sem preocupação,simplesmente olhar para ela e continuar se encantando com seus olhos.
Encontro seu nome no catálogo e ligo,o locutor da rádio brinca comigo dizendo  que estou tremendo e que aquele não era um simples telefonema,quer saber para quem e eu por respeito não digo,ela atende e diz poder me receber,pareceu-me bem surpresa,pois eu  usei do poema como desculpa para procurá-la. O locutor fica atento,mas não consegue entender nada,Continuo conversando com ele,pois eu agora agencio alguns cantores e tenho umas músicas minhas que eles gravam,e meu  encontro com ela será daqui a uma hora,na casa dela.
Quando  ela vem abrir a porta,me recebe sorrindo,mas me pareceu com um pouco de medo.Perguntei sobre sua vida,ela me disse estar casada,ter filhos e rapidamente desvia o assunto perguntando sobre o que estou fazendo e eu digo,e aproveito para dizer a ela do interesse em colocar música e saber se aquele poema era mesmo de autoria dela,vamos conversando e ela me oferece café,não aceito e ela continuava demonstrando muito medo e então percebi naqueles olhos a falta do brilho que me atingia e acariciava minha alma.
Olhei e vi medo,tristeza,embora ela sorrisse.Para falar a verdade vi mais tristeza  do que medo,vi um abismo,vi a falta que fiz na vida dela e isso doeu muito e ainda dói.
Dei uma desculpa e sai,ela foi até a porta e ainda conversamos algumas banalidades.Mesmo vendo que havia algo errado,não perguntei e ela não falou,continuou me revelando firmeza de caráter e dignidade,mostrou-me que é possível viver  mesmo que as coisas não estejam indo bem  e ela  mais uma vez não me cobrou nada ,foi como se o adeus não tivesse sido dito,que tudo estava normal."
Naquele resto de dia ele voltou a sentir a mesma sensação estranha,agora com mais intensidade,algo que incomoda,dói,faz sentir bem e mal ao mesmo tempo,tristeza em perder,
alegria em revê-la,na verdade pouca alegria,pois aqueles olhos perdera o brilho,ou quem sabe é só saudade.
"Saudade novamente invadindo,esta praça é linda,a igreja maravilhosa.
Pensamentos desencontrados,passado e presente tudo misturado,angústia,medo,vontade de voltar e refazer  a sua vida,impossível.Essa certeza incomoda.
E ela?Há tanto tempo que não a vejo,última vez foi em sua casa, depois em BH,nunca mais,já passei na porta de sua casa e nada,são vinte e nove  quilômetros de distância e parece haver um continente entre nós.
Não sei mais de sua vida,e essa falta de ligação me incomoda,mas meu caráter impede de procurá-la novamente,ela mesmo que ainda guarde algo por mim,jamais me aceitará,sei de seu jeito firme e honesto de ser,ela deve sofrer sozinha,calada,deve até pensar em mim,em um amor que por covardia não aconteceu,mas nem disso ela sabe,recusei, se eu falar a ela que eu tinha medo de enfrentar a vida como ela fazia,tinha receio de ter que vencer como ela venceu e tinha medo de amar."
Um dia ele havia saído sem destino e resolveu ir a Belo Horizonte,cidade que o incomodava,e
sozinho foi pensando em tudo que viveu,a perda da mãe,o consolo de sua companheira,que era  boa,mas sem grandes pretensões,o sobrinho que nasceu. E nessas reminiscências,novamente pensa  que viveu uma vida tranquila,mas não aquela que hoje ele gostaria de lembrar,é grato a Deus pela saúde que teve.
Está na praça,o envelope na mão,daqui a pouco seu médico lhe dará a sentença,está preparado para qualquer notícia,mas tudo seria mais fácil se ela estivesse ali com ele,teria mais força,conseguiria fortaleza naquele olhar que brilhava e o acariciava.
Nunca passaram de alguns beijos,nunca ousou com ela,sempre a respeitou mesmo que todo seu corpo pedia mais.Sempre a idealizou,foi um idiota romântico,mas sem confessar esse amor.
Sentia prazer em tê-la pura diante de si e ao mesmo tempo um desejo que controlava com muita dificuldade.
Ela,talvez nem se lembre mais dele e em seu delírio ele pensa nela.
Chegou a BH,tudo igual e diferente ao mesmo tempo,movimento maior,não procurou nenhum colega de seu antigo emprego,talvez nem tenha ninguém mais de sua época.
Foi a igreja São José,entrou,orou,pediu que Deus o ajudasse a dar um rumo em sua vida,ninguém entendia tamanha mudança,isolou os poucos amigos que tinha,calado em casa.
Não compunha nada,silêncio total,quebrado às vezes por uma música italiana"Dio como ti amo",antiga,na voz de Gigliola,linda.Música que ela sempre cantava um pedaço,bem baixinho e depois ria dizendo que precisa aprender o resto.
Sai da igreja e mais uma volta pela cidade,desta vez parque municipal,senta em um banco,compra um pipoca e ri de uma criança pegando pirraça.
Nunca teve filhos,sua companheira já tinha os seus e não queria mais,e por isso seu sonho de pai foi abortado.
Sai do parque,dá uma volta no centro,fica um tempo na praça Sete,caminha em direção à rodoviária,e num passe de mágica,ele a vê ,já era tardezinha e a reconhece em meio a uma multidão de professores em greve,sorri,ela sempre em luta,mas não há como chegar até ela,o carro de som impede ouvir seu grito que morre na garganta,muita gente,tenta chegar,não consegue.A avenida Afonso Pena toda tomada de professores e ele ali como um bobo sem saber se ia ou se ficava ali parado.
Toma a decisão e vai embora,ele não tem o direito de  perturbá-la  depois de trinta e cinco anos.
Belo Horizonte fica para trás,foi sua despedida.
Chega a Caratinga decidido em levar sua vida como sempre fez,voltar a roda de amigos.Tocar seu violão,escrever uma letra,compor uma música,mesmo que ninguém a ouça.
Ela é passado,continuará sendo saudade,mas sua vida é outra,decidiu  e tem que ser feliz com aqueles amigos e família que escolheu.
"É isso,Deus me abriu os olhos,tenho que viver e intensamente,fui covarde mas passou,não há como começar novamente, então o ideal é aproveitar e levar para frente,isso ela aprovaria tenho certeza,depressão nada,vida sim e com alegria"
Ele por um certo tempo conseguiu ir voltando a sua vidinha de sempre até que um dia acordou com uma dor estranha,foi ao médico e ele pediu vários exames então começou novamente seu desatino,estava doente,justo agora em que viver era gostoso,ele pensava.
E  ali,na praça esperando a hora de ir ao consultório,levar seus exames,lutar para viver se preciso for,mas de cabeça erguida,pois sempre foi honesto,não teve religião,porém tem fé em Deus,na vida e é grato por tudo que viveu,tem que sair e ir em busca de  uma nova luta,e a vida é uma constante luta.
Pensa estar preparado para o diagnóstico,se der certo,agradeceria a Deus,se desse errado a ele recorreria,Deus sempre esteve ao seu lado.
Amará muito ainda,os netos de sua companheira,seus sobrinhos,seus amigos.
Levanta e caminha rumo ao edifício Monte Azul.
Aguarda pouco tempo.É chamado e o médico analisa seus exames e dá o diagnóstico:câncer de pulmão.Sente um tremor,encara o médico e diz que fará o tratamento,sai,sem tristeza aparente,por dentro está triste,tem pouco tempo ,sabe disso.
Ela nunca saberá,mas seu último pensamento é voltado para ela, e lembra muito bem do que escreveu naquele dia  em que ousou pela primeira vez e a procurou:
Tive medo de enfrentar o teu amor
só que o meu medo te causou tanta dor
que nem eu mesmo imaginava

Porém ao te reencontrar
minhas trêmulas mãos
emoção forte
e o medo ali.
Só então percebi
que fui um tolo
pois você está quase como deixei
digo quase
Na verdade está mais bonita,
está linda
  o tempo te enriqueceu
te trouxe um brilho diferente
                           que atrai
Suas palavras
hoje,encantadoras
quase como antes
digo quase
fascinam mais

Ah!como fui tolo
 Meu amor só compreendi
depois  que te perdi
mas fica o alento
você me chamou de amigo
e isso bateu tão forte em mim
(Abril de 2006)

Ela nunca saberá...











Um comentário:

  1. muito bom e encantador teu blog fiquei sem palavras ao ler todo ele.............

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